terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Profissão Amada III

Como escrevi na coluna anterior, minha carreira de foto jornalista começou no jornal Imprensa Livre.Foi lá também que conheci pessoas que mudaram definitivamente o meu modo de ver a vida.
A redação era composta de jornalistas recém formados e outros com alguma experiência em jornal diário. Jornal pequeno, equipe jovem, com muita força de vontade.Não poderia deixar de mencionar todos: Raquel Salgado, Nilma Raquel, Janete Ribeiro, Paulo Escada, Daniela Gurgel, Pedro Monte Mor (em Caraguatatuba) e Nivaldo Simões (Ilhabela); mais tarde veio a se juntar a equipe o jornalista Adrian Kojin.
Foram momentos de muito trabalho. A política fervia em São Sebastião e aí começaram as brigas de interesses: de um lado os fatos da rua, e do outro os fatos dos fatos. Havia uma linha tênue entre a notícia e o que se fazia com ela, existiam muitos conflitos e interesses.Não adianta sermos hipócritas e afirmarmos que jornalismo é feito de forma apartidária. A verdade nua e crua é que temos as nossas maneiras de ver as coisas, temos opinião, visão, valores próprios.E o jornalismo freqüentemente atende aos interesses de alguém ou algo; muitas vezes em detrimento da verdade.
Como sempre digo há diversas formas de se dizer a mesma verdade.Palavras bem colocadas podem dar maior ou menor ênfase ao fato. Nesse clima entre redação e interesses de sobrevivência do próprio veículo existia sempre uma forma inteligente de se dizer às coisas nas entrelinhas.No caso do Imprensa Livre as alfinetadas eram dadas nas “Curtas”, uma coluna colocada na página dois, que fazia muitos tremerem (políticos, amigos do rei, etc). Entre tantas “pauladas” das Curtas vi um prefeito entrar redação adentro para agredir um jornalista, e depois da turma do deixa disso, os ânimos acalmaram e as coisas foram esclarecidas.
O off da notícia (jargão usado para informações não publicáveis) era passado para o jornal através de pessoas que nos encontravam na rua e muitas vezes por bilhetinhos anônimos deixados em baixo da porta da entrada do jornal ou jogados pela janela da redação. O Collor acabara de cair e o clima de caras-pintadas, de passar o Brasil a limpo, fervia em São Sebastião - cidade onde há muitos interesses e dinheiro dos royalties da Petrobras,pois o maior terminal da América do Sul está justamente instalado aqui . Dinheiro e interesses: uma mistura explosiva!
Entre muitas pautas algumas me marcaram para sempre.Uma delas chegou através de um telefonema numa manhã, denunciando a existência de um feto em um esgoto a céu aberto na costa norte do município. Quando cheguei lá não quase não pude conter a revolta que se deu dentro de mim.Lá estava ele com aproximadamente 10 cm e dentro de uma vala.Demorei em acreditar no que via. Um ser humano...Jogado junto a um monte de fezes.E aí começou o dilema: Registrar ou não. Será que temos o direito de publicar uma imagem destas?Quem será que já teve coragem e sangue frio para fazer isso?Tudo isso me passou pela cabeça.
Tenho uma teoria: todo fotojornalista usa a máquina fotográfica como um escudo.Desta forma ele pode trabalhar deixando os sentimentos à parte.Tudo pelo afã de poder registrar o momento. Naquele dia não foi diferente, vesti o escudo e fotografei.O resultado foi assustador.Esta é sem dúvida uma das mais fortes imagens que já fiz.Tanto é verdade que em um concurso de fotojornalismo internacional recebi uma carta dizendo que essa imagem era impublicável. Publicamos outras imagens sobre o mesmo tema, mas menos chocantes no jornal... Uma visão de mais longe.A imagem que nunca foi publicada esta aí:


E o pior ainda estava por vir...Esse aborto foi praticado por uma menor de idade com uma agulha de tricô!.Ela escondia a gravidez dos pais mas para acabar com a mentira resolveu fazer "isso".Não é só de bons momentos e glamour que vive o fotógrafo! Qualquer dia conto mais.

Nenhum comentário: